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Conheça Mestre Tito, líder negro e curandeiro respeitado por médicos de Campinas no século XIX

Conheça Mestre Tito, líder negro e curandeiro respeitado em Campinas no século XIX Um homem negro, ex-escravizado, que se destacou em Campinas (SP) como cura...

Conheça Mestre Tito, líder negro e curandeiro respeitado por médicos de Campinas no século XIX
Conheça Mestre Tito, líder negro e curandeiro respeitado por médicos de Campinas no século XIX (Foto: Reprodução)

Conheça Mestre Tito, líder negro e curandeiro respeitado em Campinas no século XIX Um homem negro, ex-escravizado, que se destacou em Campinas (SP) como curandeiro e pelo combate à escravidão. Este foi Tito de Camargo Andrade, o Mestre Tito, figura importante na história campineira mas ainda pouco conhecida na metrópole. Entre os feitos de Mestre Tito, está a construção da Igreja de São Benedito, símbolo da resistência negra na cidade. A igreja foi finalizada em 1885 e a Paróquia São Benedito foi criada em 16 de agosto de 1966 - neste sábado (16), a Paróquia completa 59 anos. Cinquenta anos após sua morte, na década de 1930, a Câmara Municipal homenageou Mestre Tito batizando uma das ruas de Campinas com seu nome, na região central. No aniversário da Paróquia cuja igreja foi idealizada por Tito, o g1 recupera a história do personagem que carrega um grande significado de cura, religiosidade e liderança negra. ✅Clique aqui para seguir o canal do g1 Campinas no WhatsApp Mestre Tito nasceu na África, mas sua origem é incerta. Escravizado ainda criança, aos 11 anos já era pajem do capitão-mor Floriano Camargo Penteado, um dos homens mais ricos e importantes na vila de São Carlos, que depois se tornaria o município de Campinas. Na propriedade onde trabalhavam mais de 130 escravizados, o pajem se ocupava dos cuidados pessoais do capitão-mor. A partir de 1838, com a morte de Penteado, Tito se tornou escravizado da esposa dele, Delfina Camargo. Segundo a historiadora Regina Xavier, a vivência com outras pessoas que tinham sido escravizadas e a aproximação com a casa-grande foram importantes para a trajetória de Tito. "Ele foi um escravizado doméstico e teve uma convivência numa das propriedades maiores de Campinas, em um momento em que se tinha um tráfico de escravizados muito intenso. Isso gera em Campinas uma grande revolta, a primeira delas em 1830 e uma segunda em 1832, que se dá justamente na fazenda do capitão-mor", explica Xavier. Em 1868, Tito conseguiu comprar sua liberdade, a de sua esposa Joana e de seus filhos. Ele acabou assumindo o sobrenome de seus antigos senhores, o que era comum no período, e passou a se chamar Tito de Camargo Andrade. Conheça Mestre Tito, líder negro e curandeiro respeitado por médicos de Campinas no século XIX Reprodução/Prefeitura de Campinas Cura, fé e liderança Por falta de registros, é difícil saber ao certo quando Mestre Tito começou a atuar como curandeiro, mas há indícios de que isso aconteceu quando ele ainda era escravizado. "Já no final da década de 30, ele já está entrando com petições na prefeitura para transformar uma capela que era abandonada para transformar em uma igreja de São Benedito. Nesse momento, a gente acredita que ele já exercesse alguma forma de curandeirismo", diz Xavier. Tito surge como curandeiro, na documentação, já por volta de 1860. Na época, Xavier narra que Campinas viveu uma epidemia avassaladora de varíola, e a vacinação era deficitária. "Então, tem uma grande discussão de quem pode, no momento de epidemia, exercer a cura, no momento em que a medicina não estava institucionalizada. Tinha uma campanha contra os curandeiros mas havia um número muito grande deles, desde os magnetistas, espíritas, práticos, e o Tito era um desses que ganhou preeminência nesse período", afirma a historiadora. Através de recibos da época, sabe-se que Tito trabalhava com ervas, ventosas e até sanguessugas nos trabalhos de cura. Esses documentos também revelam que ele prestava serviços para os mais pobres e também para grandes cafeicultores da região. "O Ricardo Daunt era um médico muito conhecido, muito atuante em Campinas e muito radical. Ele achava que só quem poderia exercer a cura eram os médicos. Apesar dele entrar com projetos na Câmara para limitar toda a forma de curandeirismo, diz o neto dele que ele recorria ao Tito para fazer curas daqueles doentes que ele próprio não conseguia resolver", diz Xavier. Além de curandeiro, Tito era um homem muito religioso. Ele era católico e fundou a a Irmandade de São Benedito, segundo Xavier. Embora legalmente constituída somente em 1899, a Irmandade já existia há muitos anos, havendo registros de sua existência ainda na década de 1830, como aponta o Centro de Memória da Unicamp. "Ele vai se tornar uma liderança entre as Irmandades, entre os africanos e entre os escravizados, e vai ter uma grande proeminência na cidade. Vai ser um sujeito bastante conhecido, de bastante trânsito", diz a historiadora. Cópia reprográfica de certidão de sepultamento de Tito de Camargo Andrade, solicitada pela Federação Paulista dos Homens de Cor e expedida pela Setec. Centro de Memória da Unicamp LEIA TAMBÉM 'Rotas Afro': projeto visita patrimônios históricos de Sorocaba para preservar memórias do povo negro Quem são as pessoas que dão nome às principais ruas de Campinas? Conheça as histórias Cosntrução da igreja Em 1870, Campinas foi impactada por mais uma epidemia, dessa vez de febre amarela. Diante do altar de São Benedito, Tito fez uma promessa: se não contraísse a doença, dedicaria o resto da vida para construir uma igreja para o santo, do qual era devoto. Mestre Tito pediu à Câmara Municipal a permissão para construir a igreja em um terreno ao lado do Cemitério dos Cativos, onde as pessoas escravizadas eram enterradas. Ele assume pessoalmente o projeto de construção e negocia fundos com a elite branca da cidade. Aos 80 anos de idade, próximo de sua morte, Tito pediu à Câmara que fosse enterrado dentro da igreja que estava construindo. "Existia, dentro da cosmologia católica, essa crença de que, se você enterra as pessoas no interior das igrejas, elas estão espiritualmente mais próximas da salvação", contextualiza Xavier. Porém, o último desejo de Mestre Tito foi negado. Xavier explica que isso aconteceu porque, naquele período, acreditava-se que as doenças eram transmitidas pelos gases que os corpos emanavam, os chamados miasmas. Após as epidemias do início do século XIX, foi criada uma lei que proibia sepultamentos dentro das igrejas, e os cemitérios passaram a ser construídos ao lado delas. Mestre Tito faleceu em 29 de janeiro de 1882 e foi enterrado no Cemitério da Saudade, em Campinas, antes que a construção da igreja fosse concluída. No entanto, não há identificação no local que seria seu túmulo. A igreja foi finalizada em 1885, pelos esforço de Ana de Campos Gonzaga, esposa de um médico, para arrecadar os fundos que ainda faltavam para a obra. A Paróquia São Benedito foi criada em 16 de agosto de 1966 e está localizada no Largo São Benedito, no centro de Campinas, conhecido por ser o palco da história da comunidade negra na cidade. Protagonismo Xavier relata que Tito era analfabeto, mas assinava o próprio nome e se envolveu em polêmicas nos jornais em defesa da Irmandade de São Benedito. "Apesar de não ser letrado, provavelmente ele deve ter pedido alguém para ser seu porta-voz", comenta. "Tito representa um contraponto. É uma pessoa que, embora não fosse letrada, escreve no jornal. Embora fosse africano, é uma pessoa que tem um patrimônio econômico, social e político importante, é uma liderança da comunidade negra. Ele mostra um pouco essa possibilidade de interação e de voz numa sociedade muito desigual", afirma a historiadora. "Mestre Tito não foi apenas um curandeiro, ele foi um grande símbolo de resistência negra", conta Julia Madeiro, fundadora do Rotas Afro. "A gente reconhece o mestre Tito enquanto uma liderança que, em meio a um sistema escravagista extremamente violento, conseguiu mobilizar recursos e construir um território negro de resistência e inserção da comunidade negra", defende. O projeto de afroturismo visa conectar pessoas com lugares e histórias negras na cidade de Campinas e região, por meio de roteiros que exploram a herança cultural afro-brasileira. "Ele não construiu apenas um espaço religioso, ele construiu um lugar de mobilização de direitos, onde corpos negros pudessem ter dignidade na hora de sua morte", relata Julia. Paróquia São Benedito em Campinas (SP) Arquivo Pessoal/Paola Rosa *Sob supervisão de Jéssica Stuque e Bárbara Camilotti VÍDEOS: Tudo sobre Campinas e região Veja mais notícias sobre a região no g1 Campinas

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